sábado, 8 de dezembro de 2007

Comendo caranguejos vivos...

Sábado passado - por ocasião do tempo bom e do saco profundamente cheio após uma semana inteira de provas e avaliações - peguei o carro, meia-dúzia de cd's para curtir um bom e velho rock'n'roll, passei na casa de um camarada com quem não trocava idéia fazia tempo e me mandei para a Estrada da Graciosa, na intenção de respirar um pouco de ar puro, curtir a natureza e é claro, um belo barreado e uma cachacinha de banana lá em Morretes (cidadezinha ao pé da Serra, a cerca de 70km de Curitiba).
Da viagem em si não tenho muito para contar, a não ser aquela mesma babaquice de sempre, muito bem conhecida pelos curitibanos: famílias tirando fotos; otários e otárias em trajes de banho tentando encarar aquela água insuportavelmente gelada do Rio Nhundiaquara; barraquinhas vendendo chips de aipim e balinhas de banana. Tudo exatamente como se poderia esperar de um final-de-semana nas cidades serranas...
O que eu pretendo lhes contar, é o acontecimento ao mesmo tempo insignificante e bizarro que aconteceu logo após o almoço, quando eu e meu amigo esperávamos o barreado dar aquela "abaixada" dentro da barriga para podermos encarar a subida de volta para Curitiba em meio às curvas sinuosas da Estrada da Graciosa...
Então, logo após o almoço fomos nos sentar num banco de praça, bem à sombra do coreto e de frente para o rio, para fazer a digestão e jogar um pouco de conversa fora, quando um velho cabeludo e de barbas longas chegou pedalando uma velha bicicleta com barra circular e se aproximou de nós e de um grupo de garotos que estavam fumando cigarros, debruçados na murada do rio. Ele chegou, com aquele sorriso de felicidade típico dos idiotas e dos débeis-mentais, balbuciando sozinho palavras desconexas. Estacionou sua velha bicicleta, esticou os músculos das pernas e dos braços, estalou os tendões das costas, deu um profundo suspiro e anunciou em voz alta: - "Está na hora do meu lanchinho!".
Dito isso, enfiou a mão num dos bolsos da larguíssima bermuda e retirou de lá um CARANGUEJO VIVO, mexendo muito as pernas e dando pinçadas no ar com suas garras afiadas. Eu, meu amigo e o grupo de garotos, apenas ficamos observando, atônitos, enquanto o velho arrancava uma perna do bicho e a chupava como se fosse a mais deliciosa das iguarias!
- "Mas que falta de educação a minha, não lhes oferecer!" - disse para nós o velho, quando percebeu-se observado. - "Querem uma perninha também? Podem pegar!" - concluiu estendendo-nos a repulsiva guloseima, enquanto arrancava uma das garras como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Os garotos se afastaram, olhando para o velho como se ele fosse uma aparição surgida das Profundezas. Eu e meu amigo ficamos ali, assistindo o inusitado espetáculo gastronômico, enquanto o velho arrancava um a um cada membro do caranguejo e os chupava em seguida, até restar em sua mão nada além de uma carcaça completamente desmembrada - mas com um par de olhos ainda se mexendo.
Foi quando ele olhou para nós e com um ar de profunda sabedoria declarou: - "Não, não... As entranhas não prestam para comer! Tem veneno dentro dos pulmões desses bichos!" - e dispensou o caranguejo, ainda vivo, atirando-o com desprezo dentro do rio. Montou então em sua bicicleta e foi embora, assobiando, feliz da vida.
Uma mulher, que estava trabalhando numa das barraquinhas de chips e balinhas de banana, percebendo a nossa perplexidade, então nos falou: - "Esse senhor era professor aqui na cidade. No começo dos anos 90 ele perdeu a mulher e as duas filhas, num acidente aqui na BR-277 e desde então ele ficou assim!".
Levantamo-nos e fomos embora. Não comentamos o assunto durante a viagem de volta, mas as imagens da cena bizarra não me abandonaram durante a semana.
Estou pensando em voltar lá hoje, para ver se encontro a inusitada figura para trocar uma idéia. Uma pessoa assim deve ter histórias incríveis para contar... E no mínimo, renderia um BELO CONTO!

2 comentários:

Unknown disse...

É isso aí Dr. João Rosa. Mto bom os textos a que vc vem se dedicando neste espaço.
Esse por sinal, como já dito, bizarro (mas até se entende a situação), ao contrário do bizarro professor de tributário! Abraços. Kael

absurdos óbvios disse...

E aí? Massa mesmo!!! Lendo o seu escrito, consegui me transportar aqui do Tocantins para o litoral do Paraná; senti até o cheiro do rio Nhundiaquara e do velho jaguara. Hahaha! Seja feliz!!!